As rivalidades são a seiva que alimenta a Festa dos Touros. Monforte, vila aficionada deste Alentejo, terra de cavaleiros, bandarilheiros, ganadeiros e criadores de cavalos, tem no seu seio duas dinastias de toureiros aparentados, mas nem sempre de fortes laços de relacionamento artístico. Esta circunstância faz com que os aficionados ali estejam divididos entre mouristas e caetanistas.
Na velhinha praça de Portalegre, na noite de 9 de Julho (após o apagão da iluminação da praça), trocaram-se abraços, brindaram-se lides entre Mouras e Caetanos, na presença de muitos aficionados que preencheram, mesmo em tempo de crise, três quartos da sua lotação pelo interesse do cartel que já outros tinham pensado e que a Gestoiro (Tendeiro) agora levou á prática.
Lidou-se uma corrida de D. João Passanha, regular de apresentação, com tendência para tábuas e chiqueiros, que por vezes se adiantou aos cavalos e tarda e dura na saída para os forcados.
O génio do toureio de João Moura, logo no seu primeiro, deu o mote à corrida: competição sem trampa. Cada um jogou com os trunfos de que dispunha e o de Monforte foi, uma vez mais, o protagonista da noite. O conhecimento dos cavalos, dos touros e dos terrenos jogaram a seu favor, numa lide que independente da cravagem dos ferros foi o primado do toureio mouristas.
Paulo Caetano defrontou o segundo que por vezes se adiantou à sua montada. Dentro do classicismo que procurou ao longo da sua carreira, numa evolução constante e fiel a princípios dos quais não abdica. Os tempos tão essenciais no seu toureio e os câmbios de terrenos para corrigir defeitos que o touro aportava, só são perceptíveis ao aficionado mais conhecedor e que o grande publico por vezes não entende.
As dinastias mantêm a festa. Moura e Caetano projectam-se e depositam nos filhos a continuidade.
João Moura Caetano, por vezes a navegar entre duas águas, em busca do seu conceito de toureio, esteve dispostos. Aproveitou a investida pronta do seu touro para o deixar vir de longe e colocar os compridos emotivos. Ao seu gosto, dando vantagem ao touro. Nos curtos houve ligação, ritmo e chegou às bancadas numa lide conseguida, como há muito não lhe víamos.
Um touro reservado e agarrado a tábuas, não é matéria fácil para triunfar. João Moura Jr. mostrou-se decidido a debelar esta condição atacando o touro em terrenos de compromisso, provocando-lhe a investida e deixando-lhe os ferros para todos os gostos, tendo sempre que encher a cara de cavalo ao touro para que este não buscasse o refúgio das tábuas. Filho de peixe sabe nadar...
As lides a duo nem sempre resultam. Hoje a caírem no desuso. Na maioria dos casos são conceitos de toureio diferentes, formas de interpretar antagónicas e não se podem levar as lides estudadas de véspera. Há que tourear com o coração, com sentimento e conhecimento, Foi o que vimos com a lide de João Moura e seu filho. O touro procurou os terrenos dos chiqueiros logo de início… e foi ali que acabou. Um touro tapado, e bem, pela maestria de João Moura. João Moura Jr. sacou um cavalo ferro Francisco Romão (que promete) para deixar um comprido muito ajustado, com o pai sempre atento aos cortes e preparações. Simplesmente empolgante.
Igualmente complicado o touro que tocou a Paulo Caetano e seu filho João, por procurar os mesmos terrenos que o seu irmão de camada. Com um estilo mais pausado, dentro da linha que Paulo Caetano concebe enquanto cavaleiro, os dois ginetes, lado a lado sacavam o touro para terrenos de fora para colocar a ferragem. Lide correcta mas menos emotiva por conceitos diferentes. É aqui que reside a beleza do toureio: a sua diversidade.
Os “passanhas” quase sempre foram tardos e duros nas saídas para os forcados. Por Santarém pegaram David Romão à 4ª tentativa, Manuel Roque Lopes à 1ª e João Vaz Freire ao segundo intento.
Quanto ao grupo de Portalegre, Miguel Zagalo, José Rodrigues e Ricardo Almeida, todos pegaram à segunda tentativa. O grupo da casa passou por momentos difíceis quando um seu forcado ficou inanimado na arena depois de uma ajuda, sendo prontamente assistido pela equipa médica de serviço à praça.
Com muito acerto e essa postura de matador de touros que nunca o abandonará, como não abandona o seu chapéu cordobés, dirigiu o meu querido amigo, maestro António dos Santos.
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