segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Antoñito, António...Maestro António Ferrera

Ficará para a história da Praça de Las Ventas (Madrid) a encerrona de António Ferrera. Mas, por detrás desse feito, há toda uma história feita de muito sofrimento e entrega a uma profissão que escolheu desde menino. 
Foto publicada no meu Anuário do Distrito de Setúbal

Há por detrás uma história escrita à base de mais de 30 cornadas, um pai que acreditou no sonho do filho e, de guarda civil na antiga fronteira do Caia/Badajoz, rompeu as fronteiras de uma Espanha, França e América do Sul para dar corpo a esse sonho, montados num modesto SEAT.
Conheci o Antoñito com oito anos na Praça de Estremoz. Fiz Amizade com o seu pai que perdurou ao longo dos anos. Na herdade do meu saudoso Amigo Simão Malta, estivemos juntos em tentaderos e, por essas praças do Alentejo onde toureava de bezerrista, sempre que podia estava presente.
No Montijo e na montagem de uma novilhada que o Núcleo da Cruz Vermelha me pediu para ajudar a montar, coloquei no cartel o Antoñito Ferrera e o Pedrito de Portugal, coisa que ele nunca esqueceu e dizia-me o pai que, de quando em vez, revia essas fotos.
No longo e duro percurso que fez pelo ‘Vale do Terror’, toureando novilhadas com autênticos touros, foi cosendo o seu corpo a cornadas. Tenho fotos que o pai me enviava dessa época em que do traje de luces, só se viam as ligaduras ensanguentadas mas, mesmo assim, fez o seu caminho. Não o caminho que levava dentro, do toureio como o sentia mas, do qual necessitava para ganhar novilhada a novilhada, arrimando-se como um desesperado nos três tércios. 

Chegou a alternativa e então na 'Novo Burladero', o Queirós pediu-me para ligar ao pai para lhe fazermos uma entrevista antes da alternativa. 
António Ferrera, já não o Antoñito, estava fechado na finca de António Briones (Carriquirri) e ali o entrevistámos e acompanhámos a tarde da sua alternativa.
Já matador de touros comeu o ‘pão que o diabo amassou’ como diz o povo. Com o corpo cozido a cornadas confessou a um crítico taurino espanhol a chorar, “que o sistema não o deixava ser figura do toureio”.
António Chenel ‘Antoñete’, esse Maestro do toureio, disse e retenho na memória, num comentário no canal Toros sobre Ferrera quando lhe diziam que tinha um grande valor, retorquiu ‘y además sabe torear’. Nunca esqueci esta sentença do Maestro Antoñete.
Depois da fractura no braço que o afastou das arenas, regressou o verdadeiro António Ferrera, que trancou dentro de si durante tantos anos, essa alma de toureiro diferente. Diferente do toureio estereotipado da verónica e chicuela e dos derechazos e naturales. Ferrera representa o toureio eterno. O do improviso e criação na cara do touro.
Para além do toureiro está o Homem e a sua humildade. Na despedida em Agosto de 2010 de José Luís Gonçalves no Campo Pequeno, escrevi na ocasião este apontamento na crónica da corrida. 

António Ferrera saca em ombros José Luis Gonçalves
“Neste país de brandos costumes, do constrangimento, do medo de assumir-se, do ser mais fácil criticar do que fazer, António Ferrera protagonizou um dos momentos mais bonitos da despedida de José Luís Gonçalves: Sacou perante a passividade de aficionados e quadrilha o seu companheiro e alternante desta noite aos ombros pela Porta Grande do Campo Pequeno... algumas vezes aberta em momentos de menor significado.”

Fotos-Autor e Julian Lopez





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